quarta-feira, 27 de agosto de 2008

COVARDIA ONIPOTENTE

Uma das coisas mais sujas e baixas que se tem notícia é o uso da necessidade alheia. Jogar e lucrar com a necessidade alheia é uma forma de humilhar e até escravizar, sujeitando pessoas a condições absurdas. Aprisionamento, humilhação, subserviência, escravidão, exploração. Palavras recorrentes em livros de história ou em páginas de jornal. Quem acha que isso faz parte do passado ou associou com alguma imagem de escravos no engenho, com certeza não vive no mundo de hoje.

O ato covarde de submeter uma pessoa a situações desagradáveis e desumanas pelo simples fato da dependência pela sobrevivência é um crime de proporções cósmicas: mexe com o lado material e espiritual da pessoa. Destruir uma esperança, cuspir no prato e mijar no sonho alheio embrulha o estômago e desperta a raiva. Mas a raiva precisa ser controlada pois não há como lutar de mãos amarradas. Ou você come ou você morre.

Instituições de ensino, empresas e até igrejas (seitas) formam o novo reich. A visão e a retórica sádica do lucro pela submissão acolhe rebanhos tal qual fizeram os nazistas na Europa. Exagero? O que difere o primeiro do segundo nesse caso, é que os nazistas exibiam as roldanas e os materiais de tortura e a nova aliança – empresas, cursos e igrejas -, prefere fazer de modo mais silencioso e muito mais eficaz.

A época movediça é também a do medo. Fiéis desesperados lotando igrejas e ginásios, doando o que não têm em busca de conforto e esperança e enriquecendo impérios da fé. Multidões em busca de uma vida no mínimo digna, se submetendo a trabalhos que beiram a escravidão e completamente fora das leis trabalhistas, jogando suas fichas numa esperança que só aparece na bandeira de uma país ingrato. Se você não quer, tem quem se submeta. Ou você cede ou sofre no fogo do inferno. É pegar ou largar. Eis a consolidação do sadismo.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

NEUROSES E FANTASIAS PT3 - CONCURSOS PUBLICOS

A terceira parte da neurose não é tão diferente do que foi dito antes. Agora, o adolescente é um jovem á beira da vida adulta, ou aquele tipo que pensa em retardar ao máximo as responsabilidades. Formado, não tem mais a desculpa de não arrumar emprego por causa da faculdade. Estágio que era raro agora é inexistente. Bate de porta em porta e só recebe a frase célebre “aguarde que entraremos em contato”, uma boa maneira de bater na cara do candidato e dizer “não há vagas” ou “você não se encaixa no perfil da empresa”. A clientela dos cursos preparatórios pra concursos é muito mais heterogênea: além dos descritos acima, há também os que estão trabalhando e até constituem família e desempregados que apostam suas últimas fichas nos estudos.

A grande fixação agora é a busca pela estabilidade. Essa palavra é mágica para os ouvidos da classe média envolta em dívidas, cercada pelo monstro faminto do desemprego e cada vez mais achatada entre pobres e ricos. Afinal, é justamente esse povo neurótico que carrega o país nas costas. Promessas de salários carnudos, a tal estabilidade, garantia de emprego “forever” e uma série de vantagens a ponto dos candidatos enxergarem as repartições públicas como se fossem uns verdadeiros oásis.

Os mesmos abutres agora mudam o rótulo da embalagem, mas o espírito é exatamente o mesmo. Muitos exibem até os salários dos cargos ao invés da mensalidade. Gaiatos arrumaram um bom motivo para não arrumar emprego: “não posso cara, estou estudando para concurso”. O mais cômico é que a maioria dos concursos demoram anos pra sair o edital e mais um ano pras inscrições, isso quando não são adiados por tempo indeterminável.

Simulados, uma enxurrada absurda de informações, leis, códigos, apostilas, adendos, fórmulas e macetes milagrosos, aulas extras inclusive nos finais de semana e a promessa de que a redenção e os primeiros passos da estabilidade estão nas repartições públicas. Mas não avisam que são vagas para celetistas.

E nesse rebanho de desespero, há pessoas angustiadas com livros na cabeceira, no trem, no metrô, no busão. Nada mais é do que a prorrogação da angustia e da fantasia. Diferente dos vestibulares, os aprovados ficam naquela espera eterna ou nunca são chamados.

Só resta mesmo a esperança.

NEUROSES E FANTASIAS PT2 – ADOLESCENTES NO CURSINHO

Na adolescência, o dito cujo precisa passar no vestibular e seus pais, cientes de que a educação do colégio não deu muita base, jogam o teenager num cursinho. Rolam as crises: o guri num sabe o que quer ainda da vida – até porque com 18 anos é muito difícil fazer uma escolha que pode te sentenciar a vida inteira. A cada ano que passa, aumenta o numero de vestibulandos e candidatos a vaga, que conseqüentemente parece encolher cada vez mais. A neurose bate nas salas superlotadas de cursinhos tão caros quanto a mensalidade de uma faculdade paga. Mas a fantasia de ver o guri numa faculdade publica é maior então resolvem gastar mais. Não seria mais fácil entrar numa particular? Mas isso é sinal de incompetência ou muitos acham que pelo simples fato do formando ter saído da faculdade particular não conseguirá um bom emprego. Grande diferença...

Do outro lado da jogada, estão os empresários (rapinas) ávidos por grana. Sabendo que as neuroses são capazes de criar um mercado de consumo, eles montam os tais cursinhos pré vestibular, tão certos do lucro quanto dois mais dois são quatro. Como foi dito antes, as salas ficam tão lotadas quanto uma cadeia. Os professores precisam de grana, logo precisam lecionar, então, surgem mais vagas no cursinho. É uma junção de interesses em que todos saem felizes e realizados.

Compensar anos de erros em um curto espaço de tempo é um dos maiores equívocos – senão burrice – da vida e que sempre fizeram parte do tal “jeitinho brasileiro”. Provas, simulados, uma enxurrada absurda de informações, apostilas, adendos, fórmulas e macetes milagrosos, aulas extras inclusive nos finais de semana e a venda do discurso sedativo de que a redenção e os primeiros passos da estabilidade estão nos campi públicos. Todos preferem não enxergar que nos mesmos campi faltam infra-estrutura e vivem em greve.

Poucos são os felizardos. Ao invés de tentar de novo, entram na faculdade particular, coisa que poderiam ter feito no ano anterior ao invés de pagar um “cursinho”. Assim, já estariam no segundo período de qualquer curso, em vez de ficar perdendo tempo. De qualquer forma, tanto os formandos das públicas quanto as das particulares têm algo em comum: depois de 4 ou 5 anos, serão os novos desempregados do mercado saturado, pequeno e sem vagas do Brasil.

NEUROSES E FANTASIAS

Todos nós temos fetiches, neuroses e fantasias, por mais que isso seja negado. Fantasia de transar numa ilha deserta ou fetiche por sapatos – só pra ilustrar – fazem parte do nosso imaginário. Diferente do que muitos pensam, esse assunto não se restringe somente ao campo sexual e é errôneo achar que as duas coisas são a mesma coisa. Mas isso é assunto pra outro dia. Atualmente as fantasias e neuroses que encontro no cotidiano tem chamado bastante a minha atenção. Como identificar? Uso as palavras de Lair Ribeiro: “o óbvio só é óbvio para o olho preparado”.

A fixação e a fantasia se misturam e se intensificam na medida em que o tempo avança. A onda do momento é o tal “concurso público”. Mas quando era adolescente a paranóia atendia pelo nome de “pré-vestibular”. Ambos são parecidos e até se complementam, vendendo a idéia de redenção. Competição acirrada, uma maratona cruel e por vezes desleal. (É engraçado, mas sempre associo esses concursos com a briga dos “sptz” pra chegar ao óvulo) Algumas vezes, a primeira pode levar a segunda. Todavia, ambos vendem a idéia de que ali naquela sala de aula estarão desvendados todos os segredos.

A sociedade é uma grande tribo de hipocondríacos neuróticos. A cura é a busca incessante por uma estabilidade e isso é completamente compreensível. Vivemos com a corda no pescoço. Empregos vitalícios, salários robustos e vida mansa são um porto seguro numa época movediça e incerta. A bula são os editais e apostilas de concursos públicos. A corrida pelo ouro não sobe mais a serra pra Minas Gerais, isso ficou no século XVII. As diligências do século XXI invadem as salas de aula dos inúmeros cursinhos preparatórios. Todos apostando fichas e tiros no escuro. Tudo tem seu preço.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

AUTOBIOGRAFIA PRIMÁRIA

Era um dia calorento. Devia ser a primeira série primária e na primeira semana de aula recebemos a tarefa inaugural. Até hoje me lembro da cena e da tal tarefa: escrever uma redação com o título de “quem sou eu?”. Quem nunca escreveu uma redação dessas quando era criança? Não só lembro disso como da professora, Leila, uma loirinha recém chegada de São Paulo.

Na minha escola a gente tinha um caderno de redação, com folhas cinzas e divididas assim: uma pra rascunho, pra rasurar á vontade e outra pra passar a limpo, sem erros. Como tenho um grande problema de concentração, fiquei um bom tempo disperso, falando e pensando no que eu ia por naquelas linhas. Depois que escrevi a primeira frase, foi difícil parar. Até hoje é assim. Infelizmente lembro de muito pouco do que rabisquei, mas todas as vezes que encontro um “quem sou eu” pela vida, me lembro da sala de aula na primeira série.

Ao navegar na Internet e ver diversos perfis e blogs, percebi que reescrevemos nossa singela redação de primário ao longo da vida. Hoje em dia, você escreve sua autobiografia em perfis de sites de relacionamentos, ou joga tudo na mesa de bar entre amigos depois de várias cervejas. Se você está em busca de emprego, é claro que não vai dizer que é de Sagitário, torce pro Botafogo e gosta de Woody Allen.

Há uma tênue linha entre duas questões: “quem sou eu?” e “o que você já fez na vida?”. Pode ter certeza que essa confusão rolou lá na primeira série com a Tia Leila. É comum esse tipo de confusão, visto que uma influencia a outra diversas vezes. Procurar definir em poucas palavras nunca é o suficiente, mas também vale á pena. Ainda bem que existem os signos do zodíaco, que facilitam – pelo menos pra mim -, muita coisa.

De qualquer forma, essa é uma redação em constante mudança.