segunda-feira, 21 de julho de 2008

MÉNAGE AMIS

Já não havia muitas esperanças para Gustavo. Mais uma noite de sábado em casa, duro, sem perspectivas de noitadas regadas a biritas e uma possível sacanagem. Sua tristeza alternava momentos de aflição, pois toda vez que isso acontecia, tinha a ligeira sensação de que deixava de curtir a vida. Gustavo foi para a janela e observou, melancólico entre um cigarro e outro, o mar de luzes dos prédios e bairros vizinhos que se estendia além do Grajaú, Lins, Méier...luzes piscando nos prédios...nas favelas...carros passando, e mais luzes... Pensava na possibilidade de descer e pegar um ônibus ou qualquer coisa que o levasse mais rápido para um lugar e encher o pote. Não gostava de imaginar a boemia pulsante pelas ruas do Rio sem o ar da sua graça, pois a aflição o consumia ainda mais. Isolado no subúrbio. Longe demais das capitais.

Decidiu ligar para os amigos. Quando um não estava a fim de sair, outro teria que acordar cedo, isso sem citar aqueles que já estavam na rua. Os que estavam namorando, nem valia muito gastar impulsos telefônicos, pois sabia qual era a resposta. A sua angústia aumentava quando ele olhava para a sala de estar e presenciava a decadência: velhos sonolentos assistindo programas humorísticos de piadas imbecis, vencidas e sem graças na TV. “A TV é um lixo”, resmungou. Ficar no computador? Impensável! Sentia-se mal só de pensar, mas era a saída mais plausível para fugir do terrível monstro chamado tédio. Foi quando então seu celular milagrosamente tocou.

- Oi Gustavo, aqui é o Marcio! Anda fim de fazer alguma coisa?

- Porra, você salvou a minha noite de sábado! Vamos sim! A ultima coisa que eu quero é ficar em casa! Não agüento mais! Você me salvou aos quarenta e cinco do segundo tempo!

- Apareça lá em casa! Minha mãe foi numa festa em Nova Iguaçu e volta só amanhã de manhã. Vamos tomar umas cervejas, ver uns filmes, ouvir musica, enfim, se divertir um pouco.

Gustavo então desceu a rua todo sorridente, pegou um ônibus e chegou antes do previsto. Teve a sorte de pegar um 607 descendo a zona norte na velocidade do som (era a última viagem do motorista, que era a cara do Viola). Lá estava Marcio o esperando com o seu arsenal de DVD e cerveja. Podia não ser a coisa perfeita, mas valia a intenção. No inicio, Gustavo ficou um pouco sem graça, pois foi recebido pela namorada do cara. A empolgação para sair de casa foi tanta que ele nem se lembrou desse detalhe. Mas já era. Gustavo perguntou se tinha algum problema, se estava atrapalhando alguma coisa. Marcio disse que não. Inclusive Natália havia apoiado a idéia. Estranho, mas...

Natália é uma loirinha muito simpática, divertida e gostosa. Ela tinha uma mania de balançar os cabelos repicados, parecia até comercial de xampu. Estava com uma blusa vermelha, decotada, uma minissaia jeans e pés descalços. Quando ela sentava e juntava suas pernas, era irresistível não olhar. Eram pernas torneadas, coxas grossas e brancas, perfeitas para carícias. Marcio é gente fina, gosta de inventar coisas do nada e tem um jeito meio panaca. Aliás, era justamente esse jeito meio Michael Palin que fazia dele um cara divertido.

Assistiram a um filme de suspense. Serial Killers. Os três adoravam. Cervejas e pipocas na sala. Gritos, sangue e terror na tela. Paisagens sombrias, pântanos (aqueles bem típicos do sul dos states), neblinas, cadeiras elétricas, jaulas, doentes mentais e muita insanidade. Depois do filme, começaram as conversas sobre cinema. Natália entendia muito de cinema e adorava Almodóvar. Já Marcio era fã incondicional do Tarantino. Para relaxar mais, Marcio então colocou uns CDs novos que havia comprado e queria mostrar para o seu amigo. Faltavam três pra ele completar a coleção do Rush.

Natália saiu da sala por uns instantes. O papo entre os dois mudou de rock para sexo em questão de segundos. Coisas do mundo masculino. Marcio perguntou se o amigo tinha algum filme pornô novo pra emprestar e então mostrou suas novidades. Gustavo estava com três caixinhas de CDs no colo quando Natália voltou. Ela reparou que Gustavo ficou sem graça e, pra quebrar o gelo, sugeriu que pusesse o tal filme.

Marcio atendeu o pedido inusitado da namorada. Lindas atrizes em orgias alucinantes em cidades oníricas como Paris, Berlim e Praga. Os filmes europeus tinham um charme e um erotismo mais acentuado. Palavras do casal. Todos prestaram atenção no filme por alguns minutos. A partir daí, a conversa girou em torno de sacanagens. Era mais um confessionário de loucuras e fantasias do que os três já fizeram do que uma simples conversa. E muitas gargalhadas. No caso do casal, eles falavam as intimidades em folha corrida. Sem cortes, nem censuras. Isso instigava o tesão e a imaginação de Gustavo, que botava mais lenha na fogueira, contando suas peripécias eróticas.

Natália então sai da sala estrategicamente e Marcio dispara:

- Você já participou de um ménage? Que você acha? Na pilha de fazer um hoje? - Ele ficou espantado ao ser indagado. Não esperava que a sua noite de sábado prometia tanto.

- Cara, já fiz uma vez. (Mentira) Eu até topo, mas depende de vocês. Eu não quero deixar uma impressão de...

- (Interrompendo) Fica tranqüilo. Converso com ela há tempos. Eu já esquematizei tudo hoje. Pensei que você daria pra trás, por isso que não avisei que estava sozinho com ela aqui. Mas o pacto é o seguinte: sigilo absoluto e nada de beijo na boca, porque você sabe, sou muito ciumento. O resto você pode tudo.

Ela então volta, Marcio insinua e ela avisa:

- Depende de vocês... Eu não sei. (típico charme feminino. Estava doida pra fazer uma sacanagem, mas precisava da insistência masculina. Coisa de mulher). Poxa é muita loucura, né?

Natália então saiu novamente da sala, foi tomar banho e voltou para a sala só de lingerie preta. Marcio então pede pra Gustavo pegar uma camisinha, já que a namorada havia esquecido. Força do hábito. Quando voltou para a sala, o casal já estava no “warm up”.

Os minutos corriam na mesma proporção em que os corpos esquentavam. Ela não teria muito descanso. E também não ligava. Ela se revelava insaciável e animada em realizar uma fantasia. Não só a do namorado, como também a dela. Adorava ter dois caras ao seu dispor e não importava se estava no comando, ou se era dominada. Queria levá-los á lona e tinha talento de sobra pra isso. Na sala deixou os caras brincarem: abriram as pernas, davam belo banho de língua por todo seu corpo.

A luz que vinha do corredor entrava naquela sala escura como um feixe amarelado, produzindo uma iluminação indireta, valorizando ainda mais as silhuetas, a pele lustrosa, arrepiada e os contornos. A visão que Gustavo tinha do corpo de Natália era exuberante: seu busto carnudo e branquelo fazia cada vez mais movimentos ofegantes na medida em que ele a beijava, sugava e tocava. O silêncio era quebrado pelas respirações ofegantes e gemidos sufocados e esparsos.

Gustavo penetrava em Natália quando surgiram uns barulhos estranhos vindos do corredor. Passos e portas batendo: a mãe de Marcio estava chegando em casa. Também pudera, já passavam das 4 da manhã. O clima de filme pornô vira comédia pastelão em segundos. Eles então saem correndo em direção ao quarto de Marcio de forma estabanada. Gustavo pegou seu jeans e suas roupas, mas deixou cair logo a cueca, no corredor. Marcio vestiu seu jeans e teve que fazer sala para a própria mãe, desconfiada, tentando disfarçar ao máximo o que estava acontecendo.

Enquanto isso, Natália e Gustavo tinham ataques de riso no quarto. Risos sufocados, claro. Ela fechou a porta do quarto, ligou o ar condicionado e a TV. Ficaram esperando Marcio, que dava atenção á mãe. “A festa foi muito boa, você devia ter ido meu filho! Você nunca mais visitou seus primos em Nova Iguaçu!” As frases chegavam ao quarto e quanto mais a mãe de Marcio falava, mais eles riam, tentando imaginar a impaciência dele. Depois de longos minutos, a mãe de Marcio vai dormir e ele volta pro quarto para continuar a travessura.

Depois do susto, era hora de recompor a brincadeira. Desta vez a iluminação vinha da frieza azulada da TV. Quarto trancado, o ar condicionado ligado e agora, a MTV passando clipes raros e de boa qualidade (pois todos sabem que a sua programação é uma grande merda!). Enquanto rolava Sisters of Mercy e outras coisas do mundinho dark oitentista, Marcio mandava Natália transar com o amigo. Ele era um voyeur assumido e inveterado.

Natália então monta em cima de Gustavo e começa o seu show. Monta, cavalga, rebola, chupa, senta, cospe, bate, lacera, se excita. Arranha o corpo do amigo e põe a mão na boca. Ela agora é quem dominava. Apesar do quarto fechado, do ar condicionado e da TV, poderiam ouvir os gemidos e os barulhos. E como todo mundo sabe do que se trata quando escutam esses barulhos... Ainda mais na quietude absoluta da madrugada.

Depois de uma bela dupla penetração e diversões sem culpa, Gustavo vai á lona e sai de cena. Agora era a vez do “elemento externo” ver o casal em ação. Os dois adoravam saber que estavam sendo observados. Transavam como se tivessem fazendo um filme erótico, mas desta vez, estavam a uma distância medíocre do espectador. O espectador ali era interativo, podia inclusive participar daquela cena. Mas ao invés disso, preferiu assistir a bela cena dos dois transando. Todos estavam excitados na mesma sintonia.

Enquanto eles transavam, os pensamentos de Gustavo corriam em velocidade sônica. Tentava percorrer mentalmente a trajetória que o levou até o presente momento. Imagens e nuances confusas e frenéticas invadiam este tal percurso, entre um cigarro e outro. Não há como controlar o fluxo do pensamento. Era realmente curioso ver como as coisas mudavam de uma hora para outra. Sentia-se como um rei, sentado numa cadeira confortável, vendo os dois amigos se amando loucamente, entre gemidos, mordidas e arranhões, enquanto divagava. Acendeu mais um cigarro pra relaxar. Ele alternava ver a performance do casal e os clipes da TV. Tudo aquilo também fazia a sua mente viajar a pensamentos distantes. Imaginava e constatava como a vida era surpreendente. Horas atrás estava reclamando, aflito, por não se divertir na noite de sábado e agora, estava no meio de uma orgia entre amigos. Jamais imaginaria viver essa situação. Também não imaginava a prova de amizade do casal.

Gustavo despertou de suas divagações ao ouvir o orgasmo de Natália. Já havia fumado uns três cigarros. Os olhares eram confidentes. Sérios. Penetrantes. Apesar de tudo, Marcio e Natalia se amavam. Eles separavam o amor da sacanagem sem problemas. Paixão e erotismo sempre formaram uma bela dupla.

No mais, o trio se revelou bem entrosado. Desencanado. Afinal, não se deve convidar qualquer pessoa para um ménage, é necessário analisar o candidato (ou a candidata) como se estivessem concorrendo a uma vaga de emprego. Rigor, confiança, enfim, nem vale descrever isso aqui. Sabiam que teriam que guardar segredo pra sempre. Assim, a amizade deles entrava numa esfera mais profunda. A troca foi perfeita: Natália e Marcio estavam realizando uma fantasia ao mesmo tempo em que iniciavam o amigo numa nova experiência. O casal sentia confiança em Gustavo e estavam conscientes do jogo, onde a malícia conduz as regras e não há espaço para a ingenuidade. Brincadeiras adultas. Estavam satisfeitos. Realizados.

Um comentário:

Fernando Silva disse...

Realmente, meu amigo, você está indo pelo caminho da pornorização escrita. Como sempre, ótimo texto! Eu repudio totalmente o cigarro, mas posso dizer que em diveras crônicas ele possui algum tipo de magia...o máximo!! Agora só falta o livro.