quarta-feira, 19 de agosto de 2009

RINITE COTIDIANA - OTÁRIO VINGATIVO

"Ele penteia os ralos cabelos brancos e desce a Manuela tranquilamente. O trajeto é ridículo de pequeno, não chega a dez metros de seu portão. Dobra na Constança e caminha mais três metros. Entra no bar, olha ao redor despretensioso e arrogante para cada um e pede uma cerveja. Semblante tranquilo, mente frenética. Aquele filho da puta não vai passar de hoje. Aquele sorriso cínico amarelado repleto de obturações velhas e bafo de cachaça não vai ter mais motivos pra aparecer.

O calor é insuportável. As máquinas de caça níquel também. Ele estava cansado das gracinhas, da arrogância, do jeito malandro, mascarado e galanteador de quinta. Odiava malandros, logo, nunca foi com os cornos do cara e, depois daquele sábado em que fora humilhado ao ficar sem respostas na frente de todos, viu que alguém precisava de uma lição.

Três copos. "Vai mais uma, patrão?" diz o muquirana. Ele acena positivamente sem esboçar nada. Olhos petrificados prontos pro abate. Semblante vermelho. Não vê a abençoada cerveja suada no balcão. Não vê nada. Três estampidos secos. Três balas no peito. Corre-corre, gritaria e uma bela golada pra refrescar e descer a adrenalina.

Paga a conta e vai dar voltas pelo bairro. Era hora de desfrutar a morte do malandro, afinal, menos um vagabundo no mundo. Se fosse um pouco mais esperto, não daria voltas pelo bairro, desdenhando da inteligência alheia e desafiando a própria sorte, achando-se impune. E quem ousaria incriminar um tranquilo senhor de meia idade da vizinhança?

Três horas. Anoitece e de repente uma ventania faz a temperatura cair. O tempo muda e a sorte dele também. Ao dobrar a esquina e voltar pra casa, é surpreendido por amigos e familiares da vítima, ainda estirada no chão do bar. Quebram-lhe os dentes pra calar a boca e a perna pra não poder correr. O velho tarado, que cantava as garotinhas da escola, aquele vizinho escroto irritante capaz de acabar com a paz de espírito da vizinhança, arrogante, implicante e encrenqueiro estava estirado no chão. "Isso é uma covardia!" grita uma idiota da janela ao ver a surra que o velho levava. "Covardia foi o que ele fez! Ele matou meu irmão quando ele estava trabalhando, porra!"

Dizem por aí que a vingança é a arma do otário. Ainda mais quando o otário subestima a inteligência alheia. A sorte não aceita desaforo e tudo realmente pode mudar de uma hora pra outra. Os dados rolam o tempo todo e seus resultados são meramente randômicos. Seu deleite foi pro ralo assim como o sangue que escorria da sua cabeça."

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