sexta-feira, 28 de agosto de 2009

SAUDOSISMOS Pt 3 - MIOPIA

Certo dia estava no meu trabalho quando um amigo começou a falar sobre uma "happy hour" que fica ali na final da Rio Branco, bastante conhecida por ser o reduto da galera quarentona, que agora tenta recuperar as últimas gotas de embalos de sábado e relembrar os "áureos tempos". O local fica repleto de coroas recém saídos dos escritórios da cidade. Seus olhos brilhavam e era quase comovente ver o deleite do amigo ao descrever seus bons tempos: "cara, era maravilhoso! Não tinha essa violência toda, Rio era melhor (nisso tenho minhas dúvidas), as músicas eram melhores, as noitadas eram melhores, nossa, tudo era maravilhoso, aproveitei tanto que voltaria e faria tudo de novo. Por isso que vou lá nesse happy hour e chuto o balde, porque só rola som dessa época!" Óbviamente que seria bizarro ver coroas curtindo Kilswitch Engage com o mesmo entusiasmo de Bee Gees.

Recentemente eu mesmo fui pego por esse vírus. Um amigo bem mais novo, entrando nessa vida de "sex, drinks and metal" me perguntou como era nos velhos tempos da Rua Ceará, na Praça da Bandeira. Eis a conversa: "...Diziam que lá era bonzão, mas eu nunca peguei essa fase. O que tinha lá?"

"Sinceramente? Porra nehuma! hahaaha... Assim, onde é o Heavy Duty atual, era um enorme espaço vazio que servia de garagem, porque ali era um galpão. Sempre rolavam umas putarias ali, por trás dos carros. Ao lado do HD antigo tinha um bar... E ambos lotavam tanto que tinha uma porrada de mesa pela rua, daí você andava mais uns passos e tinha o Garage, que era a tal "lendária" casa de shows undergrounds... Do outro lado da rua, no muro da garagem de busões de turismo tinham os maconheiros e os podrões cheios de salmonela... No final da rua tinha o bar dos punks, era toscaço... Então, parecia um enorme carnaval de roqueiros, uma festa de rua de gente vestida de preto, sacou?

"Com o tempo o mal se alastrou para outros dominios...hahahaha! Abriram mais bares horríveis e mal frequentados na outra esquina, em direção a Mimosa... Ali era onde colavam os mais toscos e maloqueiros. Nunca vi lugar mais mal frequentado! Era muito "favela forces", rolava muito tiro! Era bem "death metal". Aquilo era o umbral, mas como era moleque, sem grana e sem perspectiva, pilha sempre acesa, ia direto pra lá. Tinha épocas que todo santo sábado estava lá e podia ir sozinho que encontrava nego e enchia o pote por bagatelas baixas. E quando as putas andavam por lá a paisana dar um rolé? E os carinhas - era uma pedreirada abissal - que iam pro puteiro? Bastava andar sem blusa de banda ou sem estar "à caráter" que denunciava a visitinha ás primas."

"Bons tempos... Mas com o tempo nego começou a reclamar, a reclamar e no final a gente parecia um bando de velho. A coisa desandou aos poucos, as pessoas foram crescendo e se livrando daquilo, foi ficando cada vez mais vazio, entediante e decadente até que o bar saiu dali e acabou de vez. O encanto da bruxa acabou. A rua hoje em dia é aberta todos viveram felizes para sempre! Era foda cara... Bons tempos... Mesmo sendo uma merda..."

O que se nota nesses comentários é que realmente o saudosismo nos deixa tão míopes a ponto de não percebermos que os bons tempos recebem toda essa embalagem mágica pelo simples fato de que então éramos jovens. Basta por um óculos de bom senso pra perceber que as coisas não eram tão mágicas assim. A juventude romanceia tudo, porque é de fato a melhor fase da vida. Mas como eu disse anteriormente... "Bons tempos... Mesmo sendo uma merda..."

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