quarta-feira, 26 de novembro de 2008

BATALHA DOS AFLITOS



Dia 26 de novembro de 2005 poderia ser mais um dia qualquer na folha do calendário. Mas lembro bem que era um sábado de calor. Náutico e Grêmio decidindo quem voltaria a série A do ano seguinte. Mais um jogo decisivo? Dizer isso seria pouco. Aquele dia ficou marcado pro resto da vida dos milhões de gremistas espalhados pelo Brasil e mostrou o porquê do futebol ser o esporte mais apaixonante e imprevisível que existe, capaz de levar pessoas á loucura.

Aos 35 minutos do segundo tempo, pênalti a favor do Náutico. O castigo estava prestes a se prolongar por pelo menos mais um ano. Em questão de segundos, a partida virou uma verdadeira batalha campal: torcida vociferando, policiais degladiando com os jogadores gremistas, dedos em riste, catimba, ameaça, porradaria, empurra-empurra, jogo paralisado. A cena dos jogadores evitando a todo custo que o juiz levasse a bola pra marca do penal foi uma das demonstrações de revolta mais intrigantes que já vi. Lá em casa, assim como em todo o Brasil (sim porque o Grêmio é time grande o suficiente pra ter torcedores além do sul!) onde havia um gremista, pairava um misto de angústia, sofrimento, revolta e tristeza. O Grêmio perde 4 jogadores.

Mas é justamente nesse momento que a mística inexplicável daquela camisa azul, branca e preta, daquele time do sul do Brasil, que escolhi pelo espírito de luta, garra, força, de não se entregar nunca. Time que escolhi também por causa da minha avó. A mesma camisa tricolor que desperta sentimentos apaixonados, que faz me lembrar das raízes gaúchas da família.

Preparar. Apontar. Atirar. O tiro bateu na canela do goleiro. Puta que pariu! Coisas que só acontecem com o Grêmio! Porra! Jamais vou esquecer dos 7 jogadores restantes correndo esfuziantes em direção ao Galato, que naquele momento encarnava o messias de uma religião chamada Grêmio de Futebol Porto Alegrense. Minha avó já chorava, eu e a mãe só gritavamos e pulávamos feito loucos. Sim, ser gremista é ser louco, apaixonado e principalmente, barulhento. Nos Aflitos, 20 mil torcedores atônitos. Fora dali, milhões gritando, explodindo, expondo seus corações ao limite. Não consegui conceber na cabeça a imagem da defesa até o momento do replay. Confesso que até hoje quando revejo as imagens, vejo algo tão diferente que não consigo explicar. Há coisas que não devemos entender, devemos sentir.

Já havia anoitecido em Recife e o Brasil esperava saber quem voltaria a elite no ano seguinte. Eis que um moleque negro, de 17 anos pega a bola, dribla como se estivesse em qualquer desses campinhos pelos subúrbios e várzeas espalhados por aí. Deixa um, dois, três, pra trás, invade a área e marca um golaço. Final de jogo.

Uma catarse tricolor. Eu já não tinha mais garganta. Pela primeira vez senti na pele aquela velha história do cara que passa mal pelo clube do coração. Não larguei mais o manto milagroso do imortal. O Grêmio mostrava naquele momento para todo o mundo o que de fato é ser grande, é ter tradição. Respondia e calava todos. Lembro de ligar pros meus parentes em Porto Alegre e ouvir do outro lado da linha, um misto de fogos, gritaria, choros, risadas, uma festa só. Meu tio só gargalhava, como se estivesse em estado de choque. Ao ver o trailer do documentário sobre este jogo, vi que foram reações e momentos de todos os gremistas. Principalmente daqueles que não estavam em Porto Alegre e ligaram pra lá.

Quando me perguntam o porquê de um carioca torcer pro Grêmio, (aqui no Rio eu torço pro Vasco) sempre digo que além dos motivos ditos acima, minha famíla materna é gaúcha e todos lá torcem pro imortal. Foi a primeira camisa de futebol que ganhei quando tinha 4 anos. Mas basta ver o histórico de glórias e de façanhas como a dos Aflitos para calar qualquer um que venha importunar. Afinal, o time que chegou ao topo do mundo em 1983 é o mesmo que calou 100 mil vozes no Maracanã, 70 mil paulistas no Morumbi, ganhou 6 títulos nacionais (que gremista não lembra daquela bomba do Aílton em 96 aos 38 do segundo tempo?) e naquele momento não só calava 20 mil nos Aflitos, como deixava perplexos todos amantes do futebol, que justamente por não serem gremistas, jamais entenderão o suficiente o que aconteceu naquele 26 de novembro de 2005.

Como diz a letra do hino: "Até a pé nos iremos/Para o que der e vier/Mas o certo é que nós estaremos/COM O GRÊMIO ONDE O GRÊMIO ESTIVER.

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